Era uma terça-feira, mas não como essa. Não como qualquer outra, afinal, essa seria a semana mais importante da sua vida. No ar, um cheiro de medo e angústia. No peito, uma pontada de esperança que apertava uma ferida não cicatrizada.
Você estava no limite. Foram semanas de ansiedade, noites mal dormidas e pensamentos intrusivos que não deixavam sua vida seguir o trilho natural das coisas. Para piorar, todas as armas apontavam para nós. Depois de empates frustrantes contra times de menor expressão e de perder a liderança, o mundo gritava que tudo aconteceria de novo. E você fugia, corria dessas vozes alucinantes, mas no fundo da sua cabeça, elas ecoavam infinitamente em um volume ensurdecedor.
Então chegou o dia, já não dava mais para fugir. A definição, talvez, se você finalmente se tornaria um sujeito de sorte, ou se passaria mais um ano chorando pra cachorro. Morto você não estava. Com todo o turbilhão de emoções que invadiam a sua cabeça, definitivamente o ano passado não tinha te matado. E talvez fosse um presságio. Seja lá o que 2023 tentou fazer com você, ele não concluiu a missão.
Você até tentou, mas não conseguiu desviar o pensamento. Parecia que o Natal chegaria antes das 21h30 daquela terça. E quando rolou a bola, você pensou que talvez fosse melhor não ter chegado mesmo. Um amasso. Estávamos nas cordas, perdidos, com todas as armas na nossa direção. Fomos fuzilados. Perdemos um guerreiro com 10 minutos de batalha. Logo nosso melhor defensor. Definitivamente tudo estava acontecendo de novo. Que crueldade. E você sabia que ele não voltaria a tempo do sábado.
Mas aos 17 minutos, alguém colocou o Gregore no lugar certo. Alguém lá em cima mexeu o volante para que ele cometesse o erro mais certo da sua vida. Talvez um anjo com as pernas tortas, ou alguém que tava doida para festejar, para ver o Botafogo que tanto gosta, campeão. Um dia eu vou fazer questão de saber.
E saiu um grito de gol comedido, de um placar que ainda não era definitivo, e que ainda deixava seu futuro em aberto. No segundo tempo, veio mais um, esse mais potente, que claro, não era conclusivo, mas já tinha o sabor enferrujado de uma taça que estava cada vez mais perto. Afinal, o destino fez com que um dos guerreiros adversários, que tanto se gabavam pela forte mentalidade, perdesse a cabeça e deixasse o campo de batalha.
Até que a vida te deu uma outra porrada, mas essa de dentro para fora, como quem tira o pedaço de carne da garganta de alguém que já não conseguia mais respirar. O terceiro gol veio logo de quem substituiu o melhor defensor, veio de quem tinha sido tirado injustamente daquele fatídico dia, um ano antes. Veio de quem merecia esse gol tanto quanto nós. E com ele veio o choro, a lágrima, e o grito entalado, que talvez tenha ficado preso por um pedaço de carne. O mesmo que não te deixava respirar.
Essa terça-feira não é como aquela. Nenhuma outra será. E a gente não sabia que viveria algo tão apoteótico quatro dias depois. Talvez isso nos faça lembrar menos daquela terça-feira do que ela merece.
Então não esqueça. Naquela terça-feira, dia 26 de novembro de 2024, o Botafogo venceu o Palmeiras no Allianz Parque por 3×1 em jogo válido pela 36º rodada do Campeonato Brasileiro e retomou a liderança. Os gols foram marcados por Gregore, Savarino e Adryelson. As assistências foram de alguém lá de cima, de alguém que achou que era hora de nos tornar sujeitos de sorte. Garrincha, Beth Carvalho, ainda não sei. Mas, desde então, eu tenho comigo pensado, ainda bem que Deus é brasileiro e anda do meu lado.
Crônica de Bernardo Pinho.









